Por mais que a nossa cultura insista em negar a confusão de bicos, ela é real, e pode roubar o seu sonho de amamentar.
Nossa história com a confusão de bicos
Este aí da foto é o Nando, meu filho mais velho. Ele usou mamadeira dos 4 meses aos 4 anos. Ela entrou nas nas nossas vidas por orientação do pediatra. Eu tinha zero informação e portanto tive zero direito de escolha.
Na época o “doutor” me convenceu que meu leite tinha deixado de ser suficiente a partir do terceiro mês. Detalhe que o Nando havia ganhado quase 1 kg no primeiro mês só no peito! Isso não era mera coincidência, estávamos em plena crise dos três meses [Leia mais em: O que é a Crise dos 3 Meses?]. Mas na cultura do desmame é assim: o leite fica fraco, se torna insuficiente da noite para o dia e a gente precisa de um empurrãozinho da fórmula oferecida na mamadeira. Saí da consulta chorando e fui parar na farmácia com a receita na mão. A amamentação ainda seguiu nesse esquema de aleitamento misto por mais alguns meses, até que ele largou o peito completamente aos 9 meses.
Ninguém me alertou ou achou estranho, porque a mamadeira com fórmula é a regra cultural. Na época eu também achei que ele tinha deixado o peito naturalmente. Desmame precoce? Confusão de bicos? Nunca tinha ouvido falar. Só soube o que tinha acontecido realmente anos mais tarde. Ninguém me disse que ele já estava grande demais para continuar tomando mamadeira. A sociedade é muito tolerante com o seu uso, assim como o da chupeta.
O uso da mamadeira não é inócuo
Quando falo sobre os riscos do uso de bicos artificiais eu não estou acusando as mães por não terem conseguido amamentar ou fazerem uso destes itens mesmo amamentando. Eu faço o alerta para que estas mães possam estar cientes dos riscos e assim poderem repensar seu uso. Ou estarem atentas às formas de minimizar os danos. E principalmente, eu quero dar as que ainda vão viver a experiência a chance de fazerem uma escolha consciente. Lembrando que o desmame precoce por confusão de bicos é apenas um dos riscos envolvidos no uso da mamaneira, mas não o único.
Se alguém tivesse me alertado na época, se eu soubesse o que sei hoje, a mamadeira nunca teria sido parte da nossa história. Nós não precisávamos dela, nem da fórmula. Se eu pudesse voltar no tempo teria questionado o pediatra ou até trocado de profissional.
Um convite à reflexão
Não amamentar do jeito que a gente sonhou dói. A outra grande dor vem quando a informação chega e vemos que tudo o que aconteceu poderia ter sido evitado. Ah, como dói! Mas ao mesmo tempo liberta. Eu vi que minha única culpa foi ter sido ignorante ao ponto de cair na conversa do médico e não confiar no meu corpo. Então me preparei, primeiro para poder amamentar os gêmeos que vieram mais tarde, e depois continuei estudando para passar o conhecimento adiante e ajudar outras mulheres.
Minha motivação não é fazer quem não conseguiu amamentar se sentir mal. Mas de alguma forma contribuir para que esse número insólito de mulheres que não conseguem amamentar, ainda que sejam perfeitamente saudáveis e capazes, possa diminuir. Que o direito de amamentar e ser amamentando não nos seja roubado. Sem informação somos presa fácil da indústria, do sistema e da sociedade como eu fui um dia.
[Leia mais em: Desmame iatrogênico, você sabe o que é? e Confusão de bicos: mito ou verdade]
Texto de Gabrielle Gimenez @gabicbs
Texto originalmente publicado no meu perfil do Instagram em 15 de junho de 2020.