De onde vem o medo de não produzir leite suficiente?

De onde vem o medo de não produzir leite suficiente?

O medo de não produzir leite suficiente é um mal da nossa cultura. As estatísticas nos dizem que 95% das mulheres estariam aptas para amamentar do ponto de vista biológico. No entanto apenas 40% dos bebês em todo o mundo são amamentados de forma exclusiva. Não precisa ser nenhum gênio para perceber que os números não batem. Mas o que isso significa? Estamos diante de uma epidemia de baixa produção de leite? As mulheres dos últimos dois séculos sofreram alguma mutação genética?

O fator cultural da amamentação

Sabemos que a amamentação nos seres humanos não é puramente instintiva, mas sofre forte influência de fatores sócio-culturais. Então se o problema não tem origem biológica, só pode ter uma explicação cultural. Dentre as grandes influências na nossa cultura, está a presença da indústria que associada aos avanços científicos e técnicas de marketing agressivo, foi ganhando protagonismo e virando o jogo a seu favor, a ponto de transformar o aleitamento artificial em regra e amamentação na exceção. A indústria foi e é responsável por muitos dos mitos vigentes na nossa sociedade hoje.

A indústria do medo de não produzir leite suficiente

Propaganda Nestlé alimentando o medo de não produzir leite suficiente
Propaganda Nestlé (1944), publicada na revista \”Pediatria Prática\” – via Celina Valderez

Voltando à pergunta: de onde vem esse medo de não produzir leite suficiente? Na imagem acima, vemos uma propaganda da Nestlé. A enfermeira e conselheira em amamentação Celina Valderez comenta: “Propaganda de 1944, publicada na revista ‘Pediatria Prática’. Por décadas, a indústria de fórmulas infantis concentrou sua atenção nos profissionais. Nota-se até hoje que o investimento ‘valeu a pena’… para a indústria! Aos poucos a ‘cultura de amamentação’, passada de mãe para filha, foi sendo substituída pela ‘moderna’ fórmula. E as dicas preciosas, o olhar atento e cúmplice entre gerações, foi se perdendo…”. Por décadas a indústria promoveu seus produtos sem nenhum tipo de controle legal.

O conflito de interesses que alimenta o medo

Na atualidade, o foco da indústria continua sendo o profissional da saúde. Mas por que? O professor da UFRJ e pediatra Marcus Renato de Carvalho explica: “Uma das principais táticas de promoção comercial em vigor atualmente é a busca de parceria com o pediatra, em quem a nutriz deposita confiança. Esse profissional, em última instância, é quem prescreve o produto, ‘autorizando’ o desmame precoce”. A indústria utiliza uma brecha legal para se aproximar do profissional oferecendo material supostamente científico sobre os seus produtos, além de patrocinar eventos e programas de formação das associações médicas e profissionais.

Fica claro pra você agora de onde vem esse medo de não produzir leite suficiente? Entende a quem serve esse discurso da mulher que não é capaz de alimentar o seu bebê apenas com seu próprio leite? Entende a importância de passar informação correta adiante de modo que as mulheres possam derrubar este mito e abandonar de vez esta crença limitante que as impedem de assumir seu rol nutriz com a plenitude que a nossa fisiologia nos provê? Temos bastante para refletir e mudar.


Texto de Gabrielle Gimenez @gabicbs

Texto publicado originalmente no meu perfil do Instagram em 30 de julho de 2020.

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