Precisamos falar sobre amamentação

Precisamos falar sobre amamentação e desmascarar a indústria

Por que é tão difícil falar de amamentação nos nossos dias sem causar rebuliço? E por que a divulgação de informação correta e embasada sobre o assunto é tão mal recebida por tantas mulheres? Por que se sentem atacadas ou diminuídas? A resposta a essas perguntas é bem mais complexa do que parece. Mas é impossível chegar ao fundo da questão sem considerar o papel determinante da indústria na construção do panorama atual. Com índices de aleitamento materno exclusivo tão abaixo do recomendado, e isso a nível mundial.

São décadas de bombardeio por meio de propaganda desonesta e manipulação de políticas públicas. A indústria conseguiu virar a balança de modo a transformar o natural em antinatural. O aleitamento artificial se tornou regra e a amamentação a exceção.

A autoconfiança das mulheres por gerações seguidas tem sido destruída pela força dos mitos que a indústria ajudou a construir e impede à força de investimentos bilionários que sejam derrubados. As mulheres foram induzidas a crer que não são capazes, que são defeituosas. E precisam de uma ajudinha para complementar o leite insuficiente e fraco produzido a duras penas pelo seu corpo.

As estratégias da indústria

Por outro lado, temos os avanços da indústria em pesquisas e produção. E a normalização, à força de publicidade, do uso do leite de vaca modificado para bebês (também conhecido como fórmula ou leite artificial). A indústria conseguiu tatuar no imaginário popular a ideia de que leite materno e leite artificial são a mesma coisa. E que, em muitos casos, a fórmula é até melhor. Essa relativização tem levado muitas mulheres a desistirem da amamentação diante do primeiro obstáculo. Ou a sequer tentarem, porque acreditam que estão trocando seis por meia dúzia e evitando desgaste e estresse desnecessários.

A ciência tem demonstrado os perigos do uso de bicos artificias para a amamentação e para a saúde do bebê. Mas a indústria continua se esforçando para produzi-los com novas roupagens e promessas. Sempre omitindo as consequências negativas do seu uso. Estamos no século XXI e as pessoas continuam pensando que é normal um bebê largar sozinho, “porque quis”, o peito aos 15 dias, 3 meses, 6, 9, 11 meses. Que isso simplesmente acontece do nada (o mesmo vale para o leite que seca do dia pra noite ou vice-versa). A verdade é que um bebê dificilmente fará isso antes dos dois anos, a menos que haja sofrido interferência externa. Como por exemplo: uso de bicos e leite artificial, controle dos horários das mamadas, introdução alimentar desregrada, greve de peito mal interpretada, etc.

O sistema como seu grande aliado

A indústria ainda conta com o apoio do sistema. Protocolos hospitalares obsoletos e profissionais da saúde desatualizados. Boicote ou alcance insuficiente das políticas públicas no sentido de fomentar a amamentação. Financiamento da indústria nos congressos médicos, revelando um forte conflito de interesses. Além da presença de seu marketing agressivo nos consultórios. Aqueles que deveriam ser os primeiros em defender e promover a amamentação, como pilar fundamental da saúde do ser humano desde o começo da sua existência, são na prática um dos maiores obstáculos que uma mãe que amamenta precisa enfrentar para levar adiante a amamentação. A maioria é incapaz de orientar o manejo adequado da amamentação. De interpretar corretamente as curvas de crescimento do bebê e de avaliar sua saúde de forma global, indo além da balança.

A contribuição da sociedade

E subjugada por todo esse contexto está a sociedade. Imersa em mitos e preconceitos, ela exerce uma pressão negativa sobre a recém mãe. Que é confundida e desestimulada por meio de pitacos sem fundamento e crendices que se perpetuam no tempo causando danos, mas sempre omitindo os verdadeiros culpados. É o caso do bebê que só chora de fome e do leite que não sustenta. Da mamadeira com leite de verdade para o bebê dormir e a mãe descansar. Ou da chupeta para o bebê não ficar tão dependente da mãe. Da comida e do mingau oferecidos antes da hora, e tantas outras. Sobram críticas e palpites e falta ajuda.

A guerra entre mulheres fomentada pela indústria

Quando uma mulher que não amamentou, por qualquer que seja a razão, direciona sua fúria contra quem defende e promove a amamentação. E quando, em contrapartida, exalta e defende a indústria como “sua salvadora”. Ela está fazendo justamente o jogo que interessa à indústria (a guerra entre mulheres) e que a beneficia diretamente (a indústria nunca perde). Ela se fecha na sua dor e se recusa a aceitar a informação como ela é: informação e não julgamento. Então ela perde a chance de entender exatamente o que provocou o seu “fracasso” em primeiro lugar. E de se libertar de uma culpa que não lhe pertence. Pois os verdadeiros culpados dos desmames precoces em massa dos nossos dias são a indústria, o sistema e um entorno hostil. Essa negação a levará muito provavelmente a incorrer nos mesmos erros em tentativas subsequentes.

A amamentação não pode ser um tabu

Muitas criticam o fato de se divulgar, informar e defender a amamentação, sob o pretexto de que falar sobre esse assunto pode magoar e ofender as que não conseguiram. Então será que a solução seria simplesmente nos calarmos? Deixar que a amamentação se transforme de vez em um tabu? Tirar a chance das que ainda não são mães ou das que estão em tempo de fazer mudanças de rota e salvar a amamentação de fazerem as escolhas corretas que lhe permitirão alcançar o seu objetivo? Não acredito que essa seja a solução.

Embora o panorama atual nos leve a crer que a indústria já ganhou a guerra, não podemos perder a oportunidade de espalhar informação correta. De derrubar mitos, desmascarar os verdadeiros vilões e tratar de vencer as batalhas que se apresentem diante de nós. Porque cada mulher que recebe a informação e decide abrir a porta ao empoderamento, cada bebê que se salva de um desmame precoce, cada mãe que tem a chance de reescrever sua trajetória na amamentação, fazem essa luta valer a pena.


Texto de Gabrielle Gimenez @gabicbs

Texto publicado originalmente na minha conta do Facebook em 04 de fevereiro de 2018.

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