Existe vida depois da chegada dos filhos?

Existe vida depois da chegada dos filhos?

Ter filhos, mas não permitir que eles mudem a nossa vida, é realmente uma meta a ser perseguida? Afinal, o que há de errado com as mudanças? Qual o problema de rever prioridades e desacelerar a rotina? De se permitir uma viagem de autoconhecimento e uma reformulação da nossa identidade como a conhecíamos até então? Por que nos assusta e incomoda tanto lidar com a dependência extrema do ser humano ao nascer? Por que nos negamos, de maneira consciente ou não, a ser o porto seguro, a fonte de consolo, alimento e segurança que um bebê tanto precisa?

Um modelo cultural no qual não cabe a vida com filhos

A sociedade industrializada nos impõe um ritmo de vida alucinante. Com ele, o apelo ao consumismo desenfreado e ao imediatismo. Tudo isso associado à corrida insana de ter e saber. São os grandes paradigmas da nossa cultura que precisamos enfrentar no dia a dia. No geral, estamos tão imersos nela que nos resta pouca ou nenhuma autocrítica. Não questionamos o status quo, nem tentamos remar em sentido contrário. Nos deixamos levar. O resultado é a desconexão, consigo mesmo e com os demais.

A chegada de um bebê ao seio de uma família provoca um grande colapso. A noção do passar das horas, de dia e noite, de descanso, de ócio, deixam de existir por um tempo. Tudo se concentra em atender as necessidades urgentes do recém-nascido: alimento, higiene, colo, sono, choro. A vida de repente se resume a isso. E temos que lutar contra um forte sentimento de inutilidade. Mas de onde ele vem?

Infelizmente, não se permite aos novos pais o tempo necessário para interiorizar todas essas mudanças. E também falta informação adequada sobre desenvolvimento infantil. O que nos leva a ter expectativas pouco realistas e a esperar muito dos bebês. E quando essas expectativas não são atendidas, somos invadidos por uma enorme frustração e desespero. Parece que tem algo de errado com o bebê. “Ele precisa aprender como é dura a vida aqui fora. E quanto antes melhor”, dizem. Quando na verdade os únicos que precisam aprender alguma coisa são os adultos.

Desinformação, rótulos e seus possíveis resultados

Na nossa pressa de recuperar a vida perdida, deixamos de atender as necessidades inatas do bebê. Rotulamos negativamente processos que deveriam ser naturais. Amamentar em livre demanda se transforma em \”escravidão\”. Passar muito tempo no colo na \”causa de todos os males da humanidade\”. Associar peito ao sono em algo \”negativo\”. Dar suporte à nova mãe para que ela tenha condições de cuidar melhor do seu bebê em coisa \”prescindível\”. Afinal, \”mãe que é mãe tem que dar conta de tudo sozinha\”. A desinformação chega até nós na forma de conselhos ou recomendações que mais nos confundem do que ajudam.

O resultado disso são pais desamparados com um bebê saudável nos braços, mas ao qual se lhe atribuem todo tipo de \”doenças\” ou \”desvios\” de comportamento. E então começa o caminho, muitas vezes sem volta, das interferências externas na amamentação. Entram em cena a chupeta, a mamadeira, a complementação com leite artificial e os horários rígidos. Da medicalização desnecessária da infância: gases, cólicas, “refluxo”, “hiperatividade”. Dos métodos de treinamento dos mais variados para o sono, desfralde e desmame. Numa tentativa de acelerar processos que a criança alcançaria por si só no tempo adequado, sem necessidade de intervenção. De forçar uma independência para a qual não existe maturidade fisiológica ou emocional no indivíduo a tão pouca idade. Como quando queremos que durmam sozinhos, não peçam colo, não façam birra, não chorem.

Um convite à reflexão

Precisamos voltar ao princípio e buscar entender, à luz das evidências, o funcionamento natural e esperado dos nossos corpos e mentes no início da vida. Ao dar mais atenção aos nossos instintos, vamos poder perceber quão longe estamos como sociedade do ideal a ser perseguido. E como temos sido desrespeitosos com nossos bebês. Como nossa cultura tem se transformado em \”adultocêntrica\”. Quando na verdade as crianças são o elo mais frágil e as que mais precisam de proteção e acolhimento.

A chegada dos filhos pode ser a origem do caos para muitas famílias. No entanto, esse caos pode ser benéfico se utilizado para reorganizar a vida familiar, adequando-a à nova realidade. Mudanças podem ser positivas. A construção de uma nova identidade a partir da pa/maternidade pode ampliar nossa visão e nos levar a descobrir novas facetas, antes adormecidas. Priorizar as necessidades dos pequenos e construir uma relação de apego seguro com profundo respeito aos tempos fisiológicos de cada indivíduo só trarão bons frutos. Eles serão colhidos ao longo de toda a vida, mas precisam ser cultivados na primeira infância.

[Leia também: Estar Apegado e Ser Dependente São Coisas Diferentes e Do Que Nossos Filhos Realmente Precisam?]

[Não deixe de assistir a nossa live ou ouvir o nosso podcast sobre Amamentação e Apego.]


Texto de Gabrielle Gimenez @gabicbs

Texto originalmente publicado nas minhas contas do Facebook e Instagram em 05 de junho de 2018.

8 thoughts on “Existe vida depois da chegada dos filhos?”

  1. Avatar

    Maravilhoso! Me vejo em muito do que escreveu, tanto na parte de grandes expectativas em relação à independência do bebê no início e achar que tem algo errado com ele e comigo, quanto a parte que entendi tudo isso e passei a só dar ouvidos e olhos pro bebê. Graças a Deus tive uma grande virada que me fez olhar só pra ele e não para os métodos milagrosos que nos ofereciam.
    E é incrível como muitas passam pelas mesmas coisas e como é atemporal.
    Uma coisa que me surpreendeu que não tinha pensado era da onde vem meu problema em aceitar ajuda. Nunca fui assim e Também sempre me ofereci. Mas faz todo sentido…essa coisa de termos que dar conta de tudo…e as comparações também. É uma loucura e não precisa ser assim.
    Obrigada pelo seu trabalho. Sempre encontro acalanto nos seus textos.

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    Sou uma mamãe coríntias. Minha bb nasceu dia 11/03/202, dia que a OMS decretou a pandemia. Fico feliz e agradecida por ter conhecido você e outras defensoras da criação com muito apego. Feliz por estarmos vivendo a maternidade deforma saudável, consciente e respeitosa. Obrigada pelo seu trabalho e por disponibilizar tanta informação e conhecimento com a gente. Um beijo bem grande. Sigamos juntas e fortes!

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    Gabriella, seus textos tem sido os melhores e mais sensatos. Parabéns pelo trabalho, encontrei nele conteúdos q não me sufocavam ou mais geravam ansiedade do q tudo! Fica p mim a singularidade de cada bebê e de cada maternar. Grande Abraço.

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